mardi 18 avril 2017

Noite de São João

Eu ouvia o bulício atraente de gente
junta na cidade: era noite de São João.
Folgazão, até o rio Doiro sabia
aquele estribilho popular da canção;
era um hino muito antigo à alegria,
que esvoaçava por cima da multidão
como asa do anjo da fraternidade.

Felicidade, ó felicidade de menino!
Os candeeiros com a cabeça na lua,
alinhados pela rua abaixo, a cismar;
e eu ia correndo ao encontro da festa,
toda iluminada por grinaldas de riso
e o conchego de rumores de colmeia

Feliz fora eu tantas, tantas vezes,
rodeado de feerias no país dos sonhos.
Por nada fremia de emoção, tinha
a imaginação viva, provava a água
fresca das nascentes na concha da mão
e o oiro do sol no carmim da vinha.

Para lá dos telhados negros, indecisos,
via-se um domo de luz nacarada,
como uma imensa auréola de santidade.
Fui para o meio do povo congregado
pela voz entranhada, funda da tradição,
para mergulhar num mar de calor humano.

Irrequietos, febris, girando sempre
no halo envolvente
dum mundo de almas a comungar,
no bulício quente da noite,
meus olhos eram duas borboletas
irresistivelmente atraídas
pelos arco-íris às viravoltas em torno
do frontão de palácios inacessíveis.

O meu coração, dançando à volta
das fogueiras que ardiam no céu, era
uma jóia facetada de vida a cintilar.
Eu sonhava com telhados luzentes,
torres de marfim, passeios de mármore,
colchas de seda às janelas debruçadas.

Ó idade idílica! nos teus prados verdes  
e fecundos, bebi o álcool das palavras
nas fontes puras do ideal. E segui o poeta
até aos cimos etéreos onde aprendi
 a cantar a vida, o amor e a liberdade.

Ao fim da noite, a esfregar os olhos
de cansaço, já a alva arrastava pelos
cimos a sua cauda de luz, semeando
às mãos cheias, num desfolhar de rosas,
o dia nas vertentes da Serra do Pilar,
lobriguei o vulto esbelto, imponente
da torre emblemática atirada para o céu
à conquista das estrelas que iam morrendo.

A praça preguiçava na orla da noite,
ao pachorrento murmúrio do chafariz,
e ao pé da estátua de bronze,
eternidade sem vida a transpirar
verdete, o gato bocejava,
de olhos meios fechados, talvez
embrenhado nos fios diáfanos dalgum
sonho felino de caça e pança farta.

Cuidei ver bailarinos a dançar à volta
do fontanário, jovens infatigáveis
vestidos de seda, de pés alados.
Porém, acercando-me, que vi eu?
Pobres vagabundos, arredados
do mundo, sem tecto, sem pão,
sem a afeição da mão que se põe sobre
o ombro, forjando num gesto humano
o pólo de contacto entre dois seres.

J. L. Miranda






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